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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Nu no espelho

Naquela tarde, quando vi estes olhos no espelho eram duas pedras maciças congeladas por um fio de vidro. Todo o medo e insegurança estavam pintados nos cílios que não sabiam o que se passavam no movimento automático que enfeita o olhar assustado. Aí percorro as marcas, de coisas que tentei à força tirar de dentro que nunca passariam pelo buraco de uma agulha, pintas que falam da luz que já tive e que ficou impressa na minha cor. E toda vez que precisei me proteger dessa luz, eu apertava os olhos como se fosse chorar ou rir demais, para não ficar cega, deixando ver a incontinência que só aparece em extremos de pânico ou êxtase. Pés de galinha, pés de puta. Biscate, mulher da vida.

Quando vi este rosto caindo no chão com os cachos em volta e enrolado em lã, lembrando uma foto de uma dama antiga, por um instante percebi a beleza que saía dos olhos, poças fundas de barro. Ali no interior enxerguei duas lanternas piscando, e entendi daonde e por quê vem para fora: não consegui só me ver, veja só que curioso. Eu vi você, nu.


Achei que a beleza tinha algo a ver contigo, porque era isso que refletia. Muitas vezes eu me esqueço do contorno do seu rosto, por exemplo. Não lembro do conjunto. Mas... Fixo a memória do olhar nos pelos bem clarinhos, dourados, embaixo do seu nariz, em volta da boca, e a mancha da sua expressão, algo tinha que se dispor a um rosto tão doce, com as covinhas sorrindo que lixam os dentes alinhados e retinhos e me esqueço do resto. As pintas de leopardo nas costas, quando bate a luz e elas vem na minha direção e a pele de leite e espinhos macios que me espremem, e a voz de acorde que fala pelo nariz de onde sai o seu cheiro, ah, o cheiro que se enfia nos meus pêlos e cola no meu peito com epóxi como um corpo estranho.


Aí uma coisa fica suspensa no ar, uma pausa em semibreve. Já tentou segurar o ar por um tempo?